Interlocutores de sobriedade
Na Teoria da Comunicação existem as figuras
do emissor e do receptor que são os responsáveis pela linguagem. No processo
abstêmio, por sua vez, existe um DUPLO CONJUNTO DE COMUNICADORES. Temos de um
lado os abstêmios que se comunicam entre si e, do outro lado, temos o abstêmio
se comunicando com terceiros (familiares, terapeutas, amigos, psiquiatras e
psicólogos). Vou analisar, rapidamente, cada conjunto de comunicadores.
No PRIMEIRO CONJUNTO DE COMUNICADORES[2],
durante o processo abstêmio, temos o desenvolvimento dessa comunicação em
sentido binário (ou de “mão dupla”) uma vez que se desenvolvem relações entre
os próprios abstêmios. Por exemplo, os abstêmios com MAIOR tempo de abstinência
podem indicar e sugerir mecanismos de superação e enfrentamento de problemas
aos abstêmios com MENOR tempo de abstinência. Todavia, os abstêmios novatos
também podem influenciar e trazer muita experiência de vida útil aos abstêmios
experientes. Por isso, diz-se que essa relação é binária já que se desenvolve
entre abstêmios e auxilia ambos. Entretanto, por óbvio, o poder de persuasão do
abstêmio experiente sobre o abstêmio novato é muito mais efetivo do que o
contrário.
No SEGUNDO CONJUNTO DE COMUNICADORES, durante
o processo abstêmio, teremos comunicação multilateral já que profissionais e amadores
estarão envolvidos na linguagem. São exemplos de pessoas que englobam esse
segundo conjunto de comunicadores: familiares, pessoas religiosas, terapeutas,
amigos, assistentes sociais, psiquiatras e psicólogos. De fato, é muita gente
dando palpite sobre o mesmo problema. Por causa disso, é
importante que o abstêmio – principalmente o abstêmio mais novato – utilize a LUCIDEZ
e RACIONALIDADE para conseguir entender o que cada um dos envolvidos está
querendo lhe dizer. A intenção de todos é a mesma: desejam que a pessoa obtenha
a abstinência. Porém, logo após essa intenção comum, as diferenças surgirão e a
linguagem se complicará podendo ser ambígua, contraditória, omissa e, até
mesmo, equivocada. Por exemplo, problemas psiquiátricos serão tratados pelos
médicos, questões de afetividade podem ser tratadas em terapias individuais com
psicólogos, assuntos existenciais necessitam de pessoas espiritualizadas e
temas familiares necessitam de terapias de família. Cada uma dessas demandas
necessita de alguém habilitado tecnicamente para tratá-las[3]. Essa
multiplicidade de terceiros, de opiniões, de problemas e de tratamentos pode
gerar uma confusão no abstêmio, sobretudo nos novatos[4].
Com esse panorama complexo surge a pergunta:
quem o abstêmio deverá ouvir? Qual decisão o abstêmio vai acatar? A única
resposta coerente é que o abstêmio deve permanecer em abstinência. Só isso,
nada mais que isso. Todos os problemas e assuntos pendentes serão lentamente
resolvidos no decorrer do processo de abstinência. O busílis[5] do abstêmio não
é emprego, família ou relacionamentos. O abstêmio deve permanecer em
abstinência, só isso. Feito esses breves apontamentos, apresento uma solução
denominada: INTERLOCUTORES DE SOBRIEDADE.
O INTERLOCUTOR
DE SOBRIEDADE é alguém – ou alguma coisa – capaz de lembrar ao abstêmio da
necessidade de “apenas” ficar sóbrio. Existem diversas formas de interlocutores
de sobriedade, por exemplo: auto-honestidade, técnica da carta de gratidão,
técnica dos bilhetes de lucidez, terapia do telefone, técnica do apadrinhamento
(padrinho, madrinha) ou comparecimento periódico a grupos anônimos. Tais
técnicas representam a materialização de momentos conscienciais do próprio
abstêmio e podem ser verdadeiras bússolas em momentos de dúvidas sobre a
necessidade de manter-se em abstinência.
Quem é o melhor interlocutor de sobriedade? O melhor e mais efetivo interlocutor de sobriedade é a própria
consciência do abstêmio. Na realidade, na maior parte do tempo será a própria
consciência do abstêmio que deverá lembrá-lo da necessidade de permanecer em
abstinência. Em suma, mais uma vez percebe-se a importância da responsabilidade
na manutenção da abstinência.
Destaco que estamos no campo da abstinência,
ou seja, de pessoas que desejam manter-se em processo de abstinência. Essas
pessoas sabem que devem tomar decisões assertivas e no sentido da manutenção da
própria abstinência. Isso é muito diferente das pessoas que desejam tomar
decisões para manterem-se em processo de adicção. Nesse último caso, temos
pessoas que se utilizam da autossuficiência e da exposição desnecessária como
formas distorcidas e equivocadas de, supostamente, manterem-se em abstinência.
Sem dúvida alguma, a consciência que toma decisões no sentido da abstinência é
muito diferente da consciência que deseja manter-se adicta.
Concluindo, a própria consciência do abstêmio é o seu principal interlocutor de
sobriedade porque é através dela que o abstêmio tomará suas decisões finais.
Porém, para que aumente a assertividade nas suas decisões recomenda-se a
utilização de diversas técnicas que formam um complexo mecanismo denominado de INTERLOCUTORES DE SOBRIEDADE.
Bons estudos!
Escritor: Péricles Ziemmermann
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REFERÊNCIAS
[1] “DE
BOAS INTENÇÕES O INFERNO ESTÁ CHEIO. Esta frase é de autoria de um famoso
teólogo e santo francês, SÃO BERNARDO DE CLAIRVAUX (1090-1153). Muito místico,
travou grandes polêmicas com o célebre namorado de Heloísa, o também teólogo e
filósofo escolástico Pedro Abelardo (1079-1142). Conselheiro de reis e papas, SÃO
BERNARDO pregou a Segunda Cruzada, destacando-se no combate àqueles que eram
considerados hereges por ousarem interpretar de modos plurais a ortodoxia
católica. A frase foi brandida, não apenas contra seus desafetos, mas também a
seus aliados, e tornou-se proverbial para denunciar que as boas intenções, além
de não serem suficientes, podem levar a fins contrários aos esperados.” (SILVA,
Deonísio da. HISTÓRIAS DE FRASES FAMOSAS. Sem outros dados de referência para acrescentar).
[2] No primeiro conjunto de comunicadores, durante
o processo abstêmio, temos o desenvolvimento dessa comunicação em sentido
binário uma vez que o abstêmio maior (abstêmio propriamente dito) pode
interagir com o abstêmio menor (recuperando), porém o abstêmio menor também tem
muita informação para passar ao abstêmio maior. Por isso, a relação entre eles
é bilateral ou binária. Entretanto, o poder de persuasão do abstemaior sobre o abstemenor
é muito mais efetivo do que o contrário.
[3] Esse é o campo fértil para o “charlatanismo”. Sugerimos,
humildemente, a leitura do texto: CHARLATANISMO OU MERCANTILISMO DA ADICÇÃO
[4] Tecnicamente, abstêmio novato é o abstêmio mínimo
e o abstêmio menor.
[5] Sugerimos, humildemente, que assista ao vídeo:
PRINCÍPIO DO BUSÍLIS ET PUNCTUM DOLENS
ZIEMMERMANN, Péricles. PRINCÍPIOS
ABSTEMIOLÓGICOS. Porto Alegre/RS: Editora Simplíssimo, 2018. ISBN 978-85-824565-3-8
ZIEMMERMANN, Péricles. TEORIAS
ABSTEMIOLÓGICAS. Porto Alegre/RS: Editora Simplíssimo, 2019. ISBN
978-85-824566-2-0
ZIEMMERMANN, Péricles. ITINERÁRIOS
ABSTEMIOLÓGICOS. Porto Alegre/RS: Editora Simplíssimo, 2020. ISBN
978-85-924432-3-8
ZIEMMERMANN, Péricles. ABSTEMIOPATIAS.
Porto Alegre/RS: Editora Simplíssimo, 2021. ISBN 978-85-824583-6-5
Para mais informações: COMPRANDO LIVROS TÉCNICOS
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