EXPOSIÇÃO TÓXICA

 Se você concorda com a frase a seguir, você ainda NÃO entendeu nada sobre dependência química ou alcoolismo: “Preciso me expor, não posso viver isolado das drogas e protegido o tempo todo”

 

DIFERENÇAS ENTRE EXPOSIÇÃO TÓXICA, SITUAÇÃO PROVOCADORA E SITUAÇÃO DE RISCO

 


De maneira bem concisa, fazendo uma breve introdução, pode-se afirmar que a prevenção de recaída é um modelo de estudo que visa fornecer informações terapêuticas, modos de aplicação das mais variadas técnicas e formas de enfrentamento das situações fáticas (eventos) capazes de aumentar as habilidades individuais para lidar com os riscos abstêmios. Tal estudo destina-se a auxiliar o abstêmio a antecipar, prevenir, modificar e sair de circunstâncias que coloquem em risco sua Vida Abstêmia.

 

Antes de entender o que seja exposição tóxica, preciso explicar alguns conceitos básicos, tais como: risco abstêmio, cenários abstemiológicos e agentes estressores. Temos aqui uma série de conceitos que já foram abordados em outros artigos. Em apertada síntese, vou mencionar cada um deles para poder tratar, logo adiante, da questão sobre exposição tóxica.

 

O risco abstêmio consiste na análise da equação que conta com os seguintes elementos: exposição, vulnerabilidade e perigo. A exposição corresponde ao fato da vida. A vulnerabilidade tem relação com o modelo de abstinência e o tempo de Vida Abstêmia. O grau de perigo (periculosidade) varia diretamente com a técnica abstemiológica a ser aplicada.

 

Imagine dois abstêmios. Um deles comparece numa festa e o outro numa missa, culto ou reunião religiosa. A exposição do abstêmio que foi na festa é muito maior do que a exposição daquele que foi na missa. No que se refere a vulnerabilidade, alguém que tenha 20 (vinte) anos de Vida Abstêmia e que segue o modelo do caminho hipotético ideal possui menos vulnerabilidade do que alguém que tenha apenas 02 (dois) anos de sobriedade e que esteja num desvio de 4º escalão, por exemplo. Por fim, a periculosidade (grau de perigo) do abstêmio que aplica muitas técnicas para a manutenção da Vida Abstêmia é menor do que aquele que utiliza apenas uma delas.

 

No tema referente aos cenários abstemiológicos podemos observar o abstêmio caminhando em direção a situações protetoras, superando situações provocadoras ou expondo-se a situações de risco. Utilizando alguns exemplos bem simplórios posso pensar que ir à missa corresponde a comparecer em uma situação protetora, comparecer em um churrasco de família regado a muita cerveja na tarde de domingo pode simbolizar uma situação provocadora e ir numa festa noturna em que haverá consumo de drogas/álcool será uma situação de risco. Para superar situações provocadoras e diminuir as situações de risco existem os agentes extintores abstemiológicos.

 

Os agentes extintores abstemiológicos podem ser caracterizados como sendo um conjunto de situações protetoras ou qualquer outra condição que possa contribuir para diminuir ou minimizar a probabilidade do uso de drogas/álcool. Essas situações devem ser estimuladas e assim potencializar a mudança no seu novo estilo de vida abstêmio. Por exemplo, alguns eventos como participação em grupos de terapia, prática de atividade física ou assistencialismo podem gerar motivação abstêmia, aumentar o vínculo do abstêmio com seu processo de abstinência, sedimentar valores morais mais sólidos, prevenir comorbidades e desenvolver a espiritualidade. Por isso, a ocorrência de situações protetoras serve para gerar agentes extintores.

 

Em outra toada, um tema completamente diferente, corresponde a análise dos agentes estressores abstemiológicos. Os agentes estressores são o conjunto ou o resultado obtido pela incidência de uma situação provocadora, situação de risco ou qualquer outra condição capaz de despertar o desejo pelo uso de drogas/álcool. Por exemplo, alguns eventos como lembranças relacionadas ao consumo de drogas/álcool, amizades da ativa, lugares relacionados ao uso de drogas/álcool no passado, alguns odores da droga de eleição ou visualização de meras imagens de uso de drogas podem desencadear fissuras, acionamento de gatilhos, recaída emocional e o próprio processo de recaída culminado com a reintoxicação física do abstêmio. Esses agentes estressores precisam ser minimizados por técnicas abstemiológicas para não evoluírem e tornarem o reuso de drogas/álcool uma opção viável.

 

Isto posto, agora, é possível entender a diferença entre uma mera exposição (fato da vida) e exposição tóxica. A melhor forma de separar esses modelos é através de exemplos, vamos a eles. Ir a uma festa em que existirá o consumo exagerado de drogas/álcool pode ser uma exposição tóxica para alguém que possua apenas 20 (vintes) dias de sobriedade. Porém, a mesma festa para alguém com 20 (vinte) anos de Vida Abstêmia pode corresponder a uma situação de risco ou, até mesmo, apenas uma situação provocadora. A exposição tóxica consiste numa situação provocadora, numa situação de risco ou na incidência de agentes estressores de forma totalmente desnecessária. Assim, se não existe um motivo coerente e lógico para expor-se, para que realizar essa exposição? Submeter-se a uma exposição desnecessária apenas para supostamente aprender a lidar com essa situação não é a maneira correta de criar mecanismos de proteção. A exposição tóxica não gera pessoas mais fortes e resilientes. Pelo contrário, aciona gatilhos, gera fissura e induz a uma recaída emocional. Se você entrar numa área de radiação extremamente tóxica e sair de lá vivo, não sairá mais forte. Terá um monte de sequelas para resolver. O que consegue deixar o abstêmio forte e resiliente não é a exposição tóxica, mas a superação de situações provocadoras ou de risco, a imersão em situações protetoras, a criação de agentes extintores, a redução de agentes estressores e o domínio do maior número possível de técnicas abstemiológicas.

 

Infelizmente, existem inúmeros pensamentos irracionais derivados de uma falácia lúdica enraizada no tratamento da dependência química e do alcoolismo. A ideia absurda de quanto mais você se expor mais forte ficará, chega a ser risível. A Vida Abstêmia não é questão de força, mas de redução de exposição. A exposição exagerada, sem nexo ou lógica é capaz de fazer com o abstêmio mantenha laços com o processo de adicção e não seja capaz de romper com o sistema ideológico anterior que deu fundamentação à drogadição.

 

Neste contexto, máximas como “não posso viver numa redoma de vidro e protegido o tempo todo”, “preciso me expor para criar proteção”, “a droga está presente no meio social e não tem como me proteger dela”, “preciso aprender a viver no meio de pessoas que usam drogas”, “a droga está presente na sociedade e sempre estarei em contato com ela, por isso devo me expor ao máximo” refletem, na realidade, mecanismos de exposição tóxica sendo totalmente absurdas e incoerentes com quem deseja manter-se afastado do consumo de drogas ou álcool por muitos anos. A exposição às máximas aqui mencionadas, sobretudo nas fases iniciais da Vida Abstêmia, não cria pessoas mais fortes e resilientes, mas faz justamente o oposto. O aumento do risco abstêmio, através da exposição tóxica, vulnerabilidade inicial e perigo por desconhecer técnicas abstemiológicas efetivas, é a maneira perfeita de manter a pessoa na adicção ou muito perto dela.

 

Portanto, com fulcro em tudo o que foi visto até aqui, tente fazer o contrário do senso popular. Não aumente sua exposição, aumente sua rede de proteção. Não se exponha de forma desnecessária, espere o aumento do seu lastro abstêmio, mude seu sistema ideológico e, a todo custo, evite ao máximo pessoas, hábitos e lugares da ativa.

 

Bons estudos!

Escritor: Péricles Ziemmermann

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REFERÊNCIAS

 

Sugerimos, humildemente, que seja feita a leitura do texto: DUPLO EFEITO IMEDIATO OU DIRETO DAINTERNAÇÃO

 

Sugerimos, humildemente, que seja feita a leitura do texto: TEORIA DA GÊNESIS ABSTÊMIA

 

Sugerimos, humildemente, que seja feita a leitura do texto: CARÁTER PEDAGÓGICO DA RECAÍDA

 

ZIEMMERMANN, Péricles. PRINCÍPIOS ABSTEMIOLÓGICOS. Porto Alegre/RS: Editora Simplíssimo, 2018. ISBN 978-85-824565-3-8

 

ZIEMMERMANN, Péricles. TEORIAS ABSTEMIOLÓGICAS. Porto Alegre/RS: Editora Simplíssimo, 2019. ISBN 978-85-824566-2-0

                                      

ZIEMMERMANN, Péricles. ITINERÁRIOS ABSTEMIOLÓGICOS. Porto Alegre/RS: Editora Simplíssimo, 2020. ISBN 978-85-924432-3-8

 

ZIEMMERMANN, Péricles. ABSTEMIOPATIAS. Porto Alegre/RS: Editora Simplíssimo, 2021. ISBN 978-85-824583-6-5

 

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